Mercado de games cresce no Brasil e mostra mudança na forma de consumo

País já ocupa o 11° lugar entre os maiores mercados do mundo e indústria independente se destaca cada vez mais

A crise de 2008 afetou praticamente todos os países e recentemente, vimos o surgimento da crise econômica brasileira. Nesse tempo, o número de criação de empresas caiu e até gigantes do setor alimentício se viram obrigadas a realizarem fusões para se manterem. Entretanto, indo na contramão, está o mercado de games. Antigamente qualificado como um setor de nicho voltado apenas para crianças, em 2016 o faturamento da área bateu 99 bilhões de dólares em todo o mundo, com rendimento de 1,6 bilhão apenas no Brasil. Mesmo com uma recente retração de 18,3% em relação a 2015 (de acordo com a empresa de monitoramento de vendas GFK), o movimento parece mais uma ação natural do que exatamente um problema.

“Vendas sobem e caem, tudo varia do tipo de jogo que é lançado. Estou no varejo de games há 5 anos e em 5 anos eu vi muitas altas e baixas. É um lazer que mesmo que as pessoas deixem para comprar depois por conta da crise, elas ainda compram ”, explica Lucas Xavier, 27, gerente de vendas da UZ Games no Shopping Metrópole, em São Bernardo do Campo.
Curiosamente, o aumento e a estabilidade do mercado refletem também outro fator interessante: a mudança na forma de consumo. Se até pouco tempo atrás era comum ter em mãos a mídia física, atualmente os jogos online e a mídia digital têm progressivamente tomado o protagonismo.

“Entre a mídia física e a digital, prefiro a mídia digital, pois a entrega é instantânea, o jogo sempre está comigo na minha conta e é mais barato”, afirma Silas Lopes, 30, policial militar e consumidor há 10 anos de jogos eletrônicos. A visão de Silas não é única, mas um fator que vem se tornando comum: de acordo com um levantamento da agência PwC, até 2020 as vendas de mídias físicas para PC, PS4 e Xbox One terão uma queda de 18 bilhões de dólares, enquanto o número de jogos comercializados pelos serviços online crescerá 57%.

De um lado há potencial para vendas maiores, inclusive para empresas brasileiras, do outro fica cada vez mais difícil manter lojas físicas, o que gera, consequentemente, desemprego. “Ao meu ver, a situação das lojas físicas no Brasil está bem ruim. Os preços são muito além do que deveriam, além de pouca variedade. Até hoje não encontrei uma loja física que vale a pena”, afirma Julio Cesar, 25, estudante e consumidor de games há 7 anos, mas que diferente de Silas gosta de comprar a mídia física. Para ele, o motivo de comprar a mídia física é apenas para coleção, não existindo nenhum fator prático para isso.

A plataforma de jogos digitais Steam é uma das maiores do mundo, com cerca de 65 milhões de usuários

Lucas Fernandes, vendedor há 4 anos da loja Ricky Games no shopping Campo Limpo (zona sul de São Paulo), discorda: “acredito que a mídia física ainda é importante sim, pois responde a uma demanda diferente. Claro que os tempos mudaram, mas se uma família quer comprar um game, levar para casa e jogar, eles vão fazer isso na loja. A loja física é para quem quer o produto na hora e não se importa de pagar um pouco mais caro”.

Entretanto, é perceptível que há uma diferença. Segundo o Hive Digital Media, no Brasil já existem 40 milhões de “gamers” e 83% deles jogam com a família. Se a cada ano as vendas das mídias físicas caem vertiginosamente e a maioria do público são pessoas que jogam com a família, parece que a necessidade da existência de lojas físicas diminui também. Claro, é preciso considerar que esta perspectiva se refere principalmente ao sudeste, região que abriga mais da metade dos gamers (58%). Porém, serve como indicação do futuro, não só no Brasil, mas no mundo, levando a uma inevitável mudança nas formas de venda e consumo.

Criação nacional de games

Horizon Chase é um dos appgames de destaque no mercado nacional

Para muitos, o lucro das vendas surge por conta de games famosos, mas somando a essa equação, um movimento de jogos autorais se faz presente. Ainda que longe do mercado americano, o mercado nacional tem ganhado destaque no cenário internacional. Por causa das novas tecnologias, a produção ficou mais acessível, dando oportunidade para quem quer seguir na área e apostar no nicho conhecido como indie.

“Em geral, um game indie é um jogo feito por poucas pessoas, com liberdade criativa e intelectual, sem um grande orçamento. Exatamente por essa liberdade criativa e sem a pressão que grandes empresas têm de obter resultados, os indie games podem se arriscar mais e abordar ideais mais originais”, explica Kiliano Lopes, 30, web-designer e criador do canal no youtube “365 Indies”.

Renan Rodrigues, desenvolvedor há 4 anos do estúdio Supernova Games, ressalta que mesmo com o crescimento da área, ainda é difícil ter incentivo relevante. Uma desenvolvedora independente geralmente busca viver de jogos autorais, mas dificilmente a ideia se sustenta por si só e por isso, é necessário buscar espaço com advergames.

Advergames são jogos criados para promover produtos, marcas ou organizações, sendo o meio pelo qual as empresas do mercado independente, que na verdade fazem parte do mercado principal brasileiro, angariam investimentos para poderem realizar as próprias produções. Com a Aquiris, desenvolvedora localizada em Porta Alegre, não foi diferente. Criada a partir do sonho dos amigos Amilton Diesel e Maurício Longoni de terem uma empresa no ramo, no início era focada somente em projetos 3D de arquitetura, jogos casuais e games para o mercado publicitário. A empresa cresceu e hoje emprega 41 pessoas, sendo referência. Horizon Chase, jogo lançado em 2015 que presta homenagem a jogos clássicos de corrida do Super Nintendo, ganhou pelo menos 8 prêmios, inclusive no Big Festival, o maior festival de indie games da América Latina.

Jesús Fabre, gerente de Social Media da empresa, aconselha: “para criar um jogo autoral é preciso estar em contato com o meio; ir em eventos, conversar com empresas e tudo mais. Alguém preso no quarto provavelmente não conseguirá grande coisa”. Para ele, existem dificuldades no mercado, como a pouca divulgação e oportunidades escassas, mas se a pessoa quer seguir nesse meio, tem que se expor e correr atrás.

É o caso do casal Amora B. e Pedro Medeiros, fundadores do Studio MiniBoss, que criaram projetos como TowerFall Ascension. Atualmente trabalham em conjunto com o designer canadense Noel Berry no jogo Skytorn. Se não fosse o contato intenso com o meio e outros desenvolvedores, provavelmente não teriam chegado onde chegaram. A JoyMasher também é outro exemplo. Sucesso na plataforma de jogos Steam, o game Odallus recebeu nota 9 no site IGN, um dos mais conceituados portais do gênero no mundo.

Amora Bettany, fundadora do estúdio MiniBoss. Crédito da foto: Sérgio Castro/Estadão

Observando todo esse reconhecimento, fica claro que o inglês é essencial. Dificilmente um jogo fará sucesso tendo como única língua o português. “É possível sobreviver como desenvolvedor de jogos, mas acredito que para ter uma carreira plena, é necessária experiência em se comunicar com pessoas do exterior. Publicar games via Steam no PC ou nos consoles atuais da Microsoft, Sony e Nintendo, exigem relacionamento com pessoas de fora do país, tornando a necessidade do domínio da língua inglesa”, explica mais uma vez Kiliano Lopes. O web-designer youtuber complementa ressaltando que conhece diversos desenvolvedores brasileiros que estão trabalhando em projetos de outros países.

Tendo essa noção, da importância do mercado internacional, a Abragames (Associação Brasileira de Empresas Desenvolvedoras de Jogos Digitais) levou neste ano mais de 100 profissionais para a Game Developers Conference 2017 em São Francisco (EUA), um dos mais relevantes eventos de games do mundo. Um passo bastante significativo, que mostra não o potencial do que pode acontecer, mas do que está acontecendo de fato.

“Esse é um setor que sofreu menos com a crise no Brasil, o que nos deu alento foram as exportações, os negócios internacionais. (...) estamos apenas começando, esse setor é gigante e o Brasil tem tudo para ser um grande pólo de desenvolvimento mundial”, afirma Fernando Charris, presidente da Abragames, em entrevista para o site Adrenaline.

Por Mateus Vieira

Quer ficar por dentro de todas as nossas atualizações? Nos siga nas redes sociais! Facebook e Twitter

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os problemas do mercado nacional de HQ's

Como foi feito o 1º Macintosh

A importância da leitura na infância